sexta-feira, 28 de maio de 2010

REPÚDIO A INTOLERÂNCIA



Matéria do Jornal Diário do Nordeste(28/05/2010)por Dawlton Moura

Atores da peça Rãmlet Soul, encenada esta semana no TJA e nas proximidades do espaço, denunciam ter sido agredidos por policiais durante o espetáculo

No movimento da praça, ao cair da noite, a realidade invade a cena. Defendendo a proposta de estender à praça o espaço cênico habitualmente contido entre as paredes do teatro, procurando instigar novas leituras quanto a ambos os cenários, atores denunciam ter sido confrontados com a (dura) verdade das ruas. Teriam experimentado a mesma realidade com que tantas vezes os moradores da metrópole têm de lidar no dia-a-dia: incompreensão, truculência e abuso de autoridade por parte de policiais. De insultos e manifestações de preconceito a ameaças e agressões.

A denúncia é do grupo de dramaturgos e atores responsáveis pela peça "Rãmlet Soul", reconhecida em premiações promovidas pela Prefeitura de Fortaleza e pela Fundação Nacional das Artes. Segundo os artistas, na última terça-feira a praça José de Alencar, onde ao longo da atual temporada a primeira parte do espetáculo foi encenada, transformou-se em palco de agressões de policiais contra atores. "Foi uma cena horrível de espancamento de atores em plena praça José de Alencar, sob conivência e estímulo de policiais militares", afirma Rodrigo Oliveira, da produtora Tembiú.

Segundo o diretor do espetáculo, Thiago Arrais, em depoimento encaminhado ao Caderno 3, os artistas sofreram violência física e verbal, durante a apresentação de terça, na praça. "Os atores Junior Barreira, Saymon Moraes e Sol Mouffer foram agredidos e o ator George Alexandre e o músico Saulo Raphael, ameaçados", afirma Arrais. "Inicialmente, os PMs abordaram os atores de modo truculento, abusivo e confrontador, alegando que não podiam estar na rua, interpretando seus papéis de michês, apenas de toalha, o que configuraria ´atentado ao pudor´", conta o dramaturgo, ressaltando que nas apresentações anteriores no próprio entorno do Theatro José de Alencar e no Mocó Estúdio, na Praia de Iracema, nenhum problema do tipo foi registrado.

Agressão

"Os policiais exigiram que os atores se retirassem da praça, onde a peça iniciava a penúltima apresentação desta temporada. Os atores reivindicaram por seu direito de trabalho em espaço público. Os PMs, cada vez mais agressivos, insistiram que aquilo não era trabalho, mas sim ´sem-vergonhice´", acrescenta Arrais, informando ter registro em vídeo, a ser disponibilizado na Internet, de policiais "aglomerando transeuntes da praça em torno dos atores, em mobilização contra o elenco".

"Armados de porretes e de facas, os agressores aplicaram socos, tapas e pontapés nos atores Junior Barreira e Saymon Morais. Dois outros atores da peça, Yasmin Elica e Jhon Jonas, presenciaram o momento em que o policial instigou tal agressão. A atriz da peça, Sol Mouffer, também próxima da confusão, em cena que carrega uma pedra na mão, foi agarrada pelo braço por um dos policiais", afirma Thiago, citando que o ator Junior Barreira, ao ter solicitado proteção a um policial, teria ouvido como resposta: "Defender você? Não estou aqui pra lhe defender. Isto que você faz é uma baitolagem. Você mereceu".

Falando ao Caderno 3, Arrais destacou a reação que teria sido despertada nos policiais pelos atores que interpretavam michês. Porém, segundo o diretor, estavam claros os limites entre interpretação e realidade.

"Havia um incômodo de ordem moral, algo nesse sentido, porque os autores estavam de toalha, numa postura de deboche típica do papel que estavam cumprindo ali, aquela coisa do michê, na rua...", ressalta. "Mas aqueles policiais que agrediram já acompanhavam a temporada, já sabiam o que se passava na peça. Estava muito claro que aquilo ali era teatro".

Incentivo a ameaças

Para garantir a apresentação da peça na quarta-feira, último dia da temporada, a direção do TJA solicitou reforço policial. A medida foi tomada em decorrência de ameaças contra os atores, feitas também por pessoas que frequentam a praça e que teriam, segundo o elenco, sido incentivadas pelos policiais militares a agir com agressividade contra os artistas.

"A apresentação de quarta aconteceu sem maiores transtornos", reconhece o diretor. "Mas de uma forma estranha, com a polícia ali fazendo a escolta. Uma situação estranha, para uma peça que ao longo da temporada só fez contribuir para que muita gente da praça visitasse o teatro pela primeira vez".

TJA: peças vão continuar

Lamentando os acontecimentos da última terça-feira, mas situando-os em um contexto maior, de "um cenário de vulnerabilidade vivido em toda a cidade", a diretora do Theatro José de Alencar, Izabel Gurgel, promete dar sequência aos espetáculos que utilizam o espaço externo ao equipamento, principal palco das artes cênicas cearenses. "Vamos intensificar essas ações que a gente vem fazendo pra ocupar e cuidar do entorno do teatro, ocupar artisticamente a praça. Agora, a gente reafirma ainda mais essa necessidade", diz Izabel, que conta ter levado o caso à Polícia, juntamente com os atores, ainda na noite de terça-feira.

"Fomos à delegacia, ao 2º distrito, e fomos bem atendidos. Mas não conseguimos fazer o boletim de ocorrência, porque fomos informados do movimento grevista dos escrivães", afirma a gestora, citando que, além de solicitar proteção policial para os atores durante o espetáculo de quarta-feira, encaminhou um comunicado sobre o caso aos secretários de Cultura, Auto Filho, e Segurança Pública, Roberto Monteiro. "O secretário Roberto Monteiro ontem nos respondeu informando que o caso será encaminhado à Corregedoria", acrescenta Izabel. "É importante discutir a situação dos cidadãos como um todo. A agressão foi feita a um artista, um trabalhador, na hora em que tava fazendo o trabalho dele, mas sobretudo a um cidadão".

"Sem reclamação formal"

Segundo o setor de Relações Públicas da Polícia Militar, o major Marcelo Praciano, comandante da 5ª Cia. do 5º Batalhão, responsável pela área, ressaltou que disponibilizou o efetivo solicitado pelo Theatro na quarta-feira, mas que não recebeu "uma reclamação formal" sobre os acontecimentos de terça. "Se receber, certamente vai apurar e divulgar o resultado da apuração", declarou o major Marcos Costa. (DM)

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